terça-feira, 19 de outubro de 2021
sábado, 18 de setembro de 2021
Por que o Brasil está investindo em fazendas verticais?
Os cinturões verdes ao redor dos centros urbanos já prenunciam a importância da aproximação dos centros produtores e da população consumidora, mas esse modelo mesmo talvez já esteja esgotado e claramente ameaçado. O aumento na frequência de eventos climáticos extremos como consequência das mudanças climáticas globais tem impactado negativamente a produção agrícola no Brasil, particularmente a produção de hortaliças e frutas.
Há uma forte pressão da sociedade por tornar o ambiente urbano mais sustentável em resposta aos crescentes desafios impostos pela escassez de recursos, pela pressão populacional e pelas mudanças climáticas. A integração da agricultura no ecossistema urbano pode contribuir com a resiliência e a sustentabilidade das cidades. O conceito de agricultura urbana abrange a produção, o processamento e a comercialização de alimentos, fibras, combustíveis e compostos de interesse farmacêutico de origem vegetal em áreas urbanas e peri-urbanas, geralmente utilizando práticas de produção intensiva, como o cultivo protegido.
Empreendimentos de agricultura urbana já empregam pelo menos 200 milhões de pessoas e respondem por cerca de 20% da produção mundial de alimentos, tendo um importante papel na segurança alimentar de países em desenvolvimento. Mesmo em países desenvolvidos a agricultura urbana é responsável por quase um quarto da produção de hortaliças e frutas.
Embora ainda restem dúvidas sobre a viabilidade econômica da produção agrícola em ambientes controlados, há uma série de vantagens potenciais que não podem ser ignoradas, a primeira das quais é a completa independência da produção em relação ao clima, de forma que noções como as de zoneamentos climáticos da produção agrícola deixam de fazer sentido. Em princípio é possível construir-se uma estrutura de cultivo controlado (fábrica de plantas, fazenda vertical etc.) em qualquer lugar, principalmente caso se utilize luz artificial, já que não se utiliza solo.
A independência do clima significa que não há necessidade de períodos ociosos - a estrutura pode produzir ao longo de todo o ano. A qualidade do alimento produzido nestas estruturas é muito alta em todos os aspectos, fitossanitários, sanitários e mesmo nutricionais. O uso de práticas de cultivo sem solo, como a hidroponia, garante que a composição química dos alimentos seja completa, havendo ainda a possibilidade de se manipular as concentrações de nutrientes através da solução hidropônica. Além disso, a eficiência no uso de nutrientes e água é muito maior do que em sistemas de cultivo convencionais, permitindo produtividades mais elevadas.
Uma grande preocupação no mundo hoje quanto à qualidade de hortaliças e frutas é a presença de resíduos de pesticidas. O plantio em ambiente controlado virtualmente elimina a necessidade de aplicação de agrotóxicos uma vez que os cultivos se encontram fisicamente isolados do exterior. A proteção física e a ausência de influências externas não controladas fazem com que produtos perecíveis como hortaliças tenham uma vida de prateleira mais longa. O fato de o local ideal para a produção controlada ser o ambiente urbano reduz a necessidade de transporte e as perdas associadas ao deslocamento de produtos agrícolas.
O setor de produção de hortaliças no Brasil abastece majoritariamente o mercado interno, cujo consumo médio é baixo (IBGE, 2010). Novas tecnologias com potencial disruptivo, como a agricultura urbana intensiva em ambiente controlado, tem o potencial de abastecer as classes média e alta com produtos de alta qualidade, hortaliças que se encaixam na classificação de CGG (clean, green and gourmet) e poderia mesmo aproveitar o mercado de exportação.
Já existem empreendimentos de agricultura indoors em várias partes do mundo, inclusive em escala comercial, mas são quase nulos os exemplos e as descrições detalhadas de produção em ambiente controlado em países de clima tropical. As iniciativas no Brasil ainda são modestas e pouco adaptadas às condições locais. Na verdade, ainda há necessidade de se desenvolver e aprimorar o sistema de produção de alimentos, principalmente hortaliças, em cultivo controlado levando em consideração especificidades ambientais, técnicas e biológicas.
Questões importantes permanecem em aberto, tais como o uso de iluminação artificial, o tipo mais adequado de estrutura externa, os cultivos mais apropriados em termos agronômicos e mercadológicos, o melhor sistema de cultivo sem solo, resposta das plantas ao CO2, temperaturas ótimas de cultivo. Também há pouca informação sobre protocolos de gestão de acesso ao ambiente de cultivo indoors visando eliminar a entrada de patógenos, pragas e outros organismos indesejáveis.
A Embrapa tem realizado pesquisas e desenvolvido conhecimento e tecnologias no cultivo de hortaliças em ambiente protegido desde a década de 90 do século passado. Mais recentemente, a equipe de pesquisa em ambiente protegido da Embrapa intensificou as pesquisas em sistemas de produção sem solo, testando práticas, espécies, variedades, composição de soluções nutritivas e formas de aplicação, além de diferentes substratos e meios de cultivo. Embora o cultivo protegido tenha importantes diferenças em relação ao cultivo controlado, ambos são suficientemente próximos para permitir a transferência e o uso de pelo menos parte do conhecimento até hoje produzido.
A empresa 100% Livre já está cultivando e comercializando hortaliças a partir dos resultados gerados dentro da parceria de pesquisa com a Embrapa. Além da 100% Livre, a cidade de São Paulo já conta com pelo menos mais duas fazendas verticais: a Pink Farms e a Fazenda Cubo. Outras cidades brasileiras em breve também contarão com fazendas verticais. A pesquisa em agricultura em ambiente controlado feita pela Embrapa e algumas outras instituições deverá facilitar a expansão do cultivo vertical, chamar a atenção do público para os sistemas de produção sem solo e aumentar o consumo de hortaliças frescas, nutritivas e seguras pela população urbana no Brasil.
sábado, 28 de agosto de 2021
Hortaliças hidropônicas são menos naturais que as outras?
sexta-feira, 5 de março de 2021
Por que os agricultores usam agrotóxicos?
Nossa época gosta de julgar, de apontar o dedo e classificar de forma taxativa: isso é bom, aquilo é mau. Como se não houvesse meios-termos. Nem preciso dizer o quanto essa atitude contribuiu para o estado atual das disputas ideológicas - não há possibilidade de diálogo porque cada "lado" considera o outro a representação do mau. A isso se chama maniqueísmo. Julgamentos maniqueístas têm sido feitos sem escrúpulo em relação ao que se convencionou denominar de "agricultores convencionais".
Esses agricultores são acusados de "envenenar a mesa do brasileiro", de colocarem o lucro acima de qualquer coisa, de agirem inescrupulosamente contra a saúde e o meio-ambiente. O que há de verdade nisso? Pergunto-me se os acusadores já pararam seriamente para refletir sobre o que leva um agricultor a usar agrotóxicos em sua lavoura. Gostaria de analisar cuidadosamente algumas dessas acusações e tentar elevar um pouco o diálogo, fugir do maniqueísmo dos bordões ideológicos que matam a reflexão no berço, impedem o pensar sem preconceitos e pré-concepções. Focarei a produção de hortaliças, grupo de culturas com que trabalho há mais de uma década e um dos alvos preferidos dos juízes da moral e dos bons costumes.
Antes de tudo, gostaria de deixar claro sobre o que estou falando quando me refiro a agrotóxicos, usando a definição do livro Agricultura: Fatos e Mitos. Para os autores do livro, agrotóxicos são "produtos químicos utilizados no controle de pragas agrícolas". Pois bem, isso talvez ainda não seja suficiente. Afinal, o que são pragas agrícolas? De maneira geral, são organismos que, de alguma forma, impactam negativamente a produtividade ou a qualidade dos cultivos. Refere-se esse termo quase invariavelmente a plantas espontâneas, artrópodes (insetos, ácaros) e microrganismos que, para sobreviver, competem com as plantas cultivadas por recursos ou usam estas plantas como alimento.
Ora, o agricultor é um trabalhador que sobrevive às custas do que produz - se é um produtor de tomates, ele depende da produção e da venda de tomates para seu sustento. "Jogou" seu dinheiro no solo na forma de sementes, adubos, irrigação, tratos culturais e espera um retorno daí a alguns meses. O plantio é seu investimento e a colheita o retorno. Qualquer investidor ao ver seu investimento ameaçado tomará as medidas necessárias para protegê-lo. Ao detectar uma lagarta se alimentando dos frutos do tomateiro, é natural que o agricultor veja nisso uma ameaça a seu sustento e tome as medidas necessárias para salvaguardá-lo - ou não é? Então deixemos esse pensamento de que o agricultor é um agente do mal cuja intenção é "envenenar a mesa do brasileiro". Essa frase é manipulação descarada.
Os agrotóxicos não são produzidos pelos agricultores nem distribuídos gratuitamente pelas empresas que os produzem. São produtos caros, representam uma porcentagem considerável do custo de produção para o agricultor. O produtor rural não "gosta" de aplicar agrotóxicos, ele se sente obrigado a isso ao detectar uma ameaça ao seu investimento. Vejam bem, não estou dizendo que a aplicação de agrotóxicos seja a única ação possível, mas para muitos produtores, é a única que conhecem. Ao saber-se doente, uma pessoa normal não toma remédio porque "gosta", mas porque precisa. A afirmação de que o produtor usa agrotóxicos porque põe o lucro acima de qualquer outra consideração seria análogo a se dizer que um dono de casa põe sua propriedade acima da liberdade ao chamar a polícia quando vê um ladrão arrombando sua porta.
Não sou um entusiasta dos agrotóxicos, preferiria que não fossem necessários. O uso excessivo ou inadequado existe. Minha opinião é de que o mal-uso se deve muito mais ao despreparo e à desinformação. O produtor rural, principalmente o pequeno, carece de assistência técnica de qualidade, principalmente porque em fins da década de 80 do século passado resolveu-se transferir a responsabilidade da assistência técnica e extensão rural públicas da União para os Estados. A maior parte do impacto ambiental negativo da agricultura se deve a isso, mas nunca vi Bela Gil clamando por uma extensão rural de qualidade para os produtores de hortaliças.
Apesar de o Brasil ser considerado uma superpotência agrícola e de a agricultura ter tido nos últimos anos uma importância tremenda em nossa balança comercial, as discussões públicas sobre a agricultura no país são quase invariavelmente superficiais e preconceituosas. A agricultura, por aqui, quando se “discute” é de forma em geral maniqueísta, de acordo com a preferência ideológica de quem discute, e geralmente quem tem audiência suficiente para ser ouvido tem agenda ideológica mais do que enviesada. Ou a agricultura é vilã ou é a salvadora da pátria. Discussões de pequena profundidade e destinada aos horários de menor audiência dos meios de comunicação. Damos importância a outras coisas.
Há um temeroso divórcio entre a população urbana e a prática agrícola, como se uma não influenciasse a outra. Não discutimos a sério a questão do uso excessivo ou inadequado de agrotóxicos, por exemplo, e suas causas. Nunca questionamos a pressão exercida pelas exigências do mercado urbano sobre as decisões tomadas pelos agricultores. Alguém está se perguntando o quanto de agrotóxicos é necessário para se conseguir a fruta ou hortaliça esteticamente perfeita que se procura nas prateleiras de supermercados?
quinta-feira, 4 de março de 2021
Fertilizante não é agrotóxico
Em 2015 estive na Coreia do Sul realizando atividades de um projeto de parceria que ao tempo eu coordenava. Visitei diversas estufas de produção de hortaliças e lembro-me que pedi ao pesquisador que me acompanhava para visitar uma estufa de produção orgânica. Fomos a uma enorme estufa de produção de pimentões nos arredores de Busan. Minha primeira surpresa foi que a produção era hidropônica. No Brasil não há como certificar uma produção hidropônica como orgânica, a legislação não permite. A surpresa maior veio quando verifiquei que toda a nutrição das plantas era feita com adubos químicos.
A resposta do colega coreano quando lhe perguntei como classificavam aquela produção como orgânica se usavam adubos químicos foi, para mim, uma aula de pragmatismo: "a forma com que a planta absorve o nutriente é a mesma, independente se o adubo é orgânico ou químico, isso não é o importante. O importante é que não usamos agrotóxicos para combater pragas e doenças, só controle biológico." Claro. Esse tipo de produção, no Brasil, seria chamada de Produção Integrada, um sistema de produção que agrupa o que se chama de Boas Práticas Agrícolas. Esse, no entanto, não é o foco dessa reflexão. O que quero sublinhar é o fato, claro para o colega pesquisador coreano, é que fertilizantes, adubos, químicos ou não, não são agrotóxicos.
Todas as espécies vegetais cultivadas precisam pelo menos de 16 nutrientes. Três destes nutrientes, hidrogênio (H), oxigênio (O) e carbono (C) são fornecidos pela água ou pelo ar e são classificados como elementos não minerais essenciais ou elementos estruturais. Os outros treze nutrientes, conhecidos como nutrientes minerais, devem ser fornecidos através de adubos ou fertilizantes e estar na forma de íons (cátions ou ânions) no meio onde crescem as raízes para que as plantas possam absorvê-los, juntamente com a água. Os nutrientes minerais são divididos em macronutrientes e micronutrientes.
Macronutrientes são elementos químicos cuja concentração na matéria seca vegetal é maior que 0,1%. São considerados macronutrientes os elementos nitrogênio (N), fósforo (P), potássio (K), cálcio (Ca), magnésio (Mg) e enxofre (S). Os micronutrientes são os elementos nutrientes cuja concentração na matéria seca da planta é menor que 0,1%. Atualmente reconhecem-se 7 micronutrientes: ferro (Fe), manganês (Mn), zinco (Zn), cobre (Cu), boro (B), molibdênio (Mo) e cloro (Cl). Para alguns fisiologistas o elemento níquel (Ni) é essencial e classificado como micronutriente. Os micronutrientes são elementos tão essenciais para as plantas quanto os macronutrientes, só que requeridos em quantidades muito pequenas, daí a denominação micronutriente.