Foto: Aerofarms
O fato de
as hortaliças serem produtos frágeis e facilmente perecíveis é uma das
principais razões por que os plantios de hortaliças se localizam próximos aos
centros de consumo. Ainda assim, as estimativas de perdas após a colheita para
alguns produtos hortícolas se aproximam dos 50%, valor alto e preocupante. O
transporte inadequado por estradas de má qualidade é uma das principais causas
de perdas.
Os
cinturões verdes ao redor dos centros urbanos já prenunciam a importância da
aproximação dos centros produtores e da população consumidora, mas esse modelo
mesmo talvez já esteja esgotado e claramente ameaçado. A tendência que começa a
se desenhar não é mais de mera aproximação entre produção e consumo, mas de
fusão - a utilização de espaços urbanos e periurbanos ociosos para a produção
agrícola utilizando alta tecnologia, com elevadas produtividades em áreas
pequenas através da otimização do ambiente de cultivo.
A crise
mundial causada pela Covid – 19 desnudou a grande dependência dos centros
urbanos na frágil logística de abastecimento alimentar. Felizmente não
realizado, o temor do desabastecimento de alimentos pairou e paira sobre as
cidades. Mais uma evidência da necessidade de incentivo à agricultura urbana e,
creio eu, à agricultura em ambiente controlado, ao cultivo protegido, às
fazendas verticais, à agricultura de teto, à hidroponia, à aeroponia.
A proposta
desta nova forma de cultivo não é migrar toda a produção agrícola para
ambientes controlados, mas produzir hortaliças, frutíferas e plantas
ornamentais de alta qualidade. A maior disponibilidade destes produtos em
ambiente urbano pode significar, no longo prazo, preços mais acessíveis e
aumento de consumo. O uso intensivo de tecnologia permitirá produtividades
ainda maiores em áreas muito pequenas que produzirão tanto ou mais que áreas
muito maiores em campo aberto.
Essa
novíssima forma de produção agrícola não se restringirá a grandes centros
urbanos. É importante lembrar que a principal técnica de cultivo utilizada, a
hidroponia, economiza drasticamente as quantidades de água e nutrientes. Isso
torna a agricultura indoors uma alternativa muito interessante para regiões
onde há escassez de água, como o semi-árido brasileiro por exemplo.
A
agricultura em ambiente controlado em áreas urbanas abre ainda a possibilidade
de reuso de recursos, como água e mesmo resíduos vegetais. Dickson Despommier,
o pai do conceito de fazendas verticais, prevê o reuso de águas cinzas de
consumo doméstico na irrigação de plantas no cultivo vertical, bem como a
calcinação de lodo de esgoto doméstico para gerar energia elétrica para as
fazendas verticais. Os resíduos vegetais dos próprios cultivos poderão ser
compostados e utilizados como substrato no cultivo sem solo, retornando parte
dos nutrientes e diminuindo a pegadas de carbono dos empreendimentos.
A presença
de cultivo de hortaliças e frutas em áreas urbanas poderá contribuir no combate
aos chamados desertos alimentares, podendo inclusive promover o aumento no
consumo de frutas e hortaliças pela população mais pobres. Para
incentivar esforços e atrair empreendedores, serão sem dúvida necessárias uma
série de medidas, de mudanças, de investimentos em infraestrutura urbana. Não
basta incentivar com palavras. Em vista disso, gostaria de apresentar uma
proposta de Plano Nacional de Agricultura em Ambiente Controlado na esperança
que seja útil ao debate qualificado sobre o tema. Aqueles que se interessarem,
sintam-se à vontade em fazer críticas construtivas e sugestões.
Eixos orientadores
Eixo I - Expansão da agricultura em ambiente
controlado
Objetivo estratégico - Promover o crescimento e o
desenvolvimento sustentáveis das diversas formas de agricultura em ambiente
controlado em áreas urbanas e periurbanas.
Meta 1 - Identificar e caracterizar os
tipos de empreendimentos de agricultura em ambiente controlado;
Meta 2 - Prover uma regulamentação de
parâmetros mínimos para a implantação de empreendimentos de agricultura
controlada em áreas urbanas e periurbanas, em edificações dedicadas ou
compartilhadas;
Meta 3 - Viabilizar acesso de
empreendedores em produção de alimentos em ambiente controlado às políticas e
instrumentos de financiamento à construção
e ao reaproveitamento de empreendimentos industriais urbanos;
Meta 4 - Incentivar a produção
nacional e/ou facilitar a importação de materiais e equipamentos ligados à
produção agrícola sem solo e à automação desta produção, de iluminação
artificial, de plásticos agrícolas e demais materiais e equipamentos próprios a
empreendimentos de agricultura em ambiente controlado;
Meta 5 - Criar instrumentos de
incentivo a empreendimentos comerciais que facilitem a instalação de
empreendimentos de produção agrícola em ambiente controlado em áreas urbanas
comerciais;
Eixo II - Produção
Objetivo estratégico - Incentivar, ampliar e
fortalecer a produção agrícola em ambiente controlado.
Meta 1 - Viabilizar acesso de
empreendimentos agrícolas em ambiente controlado às políticas e instrumentos de
financiamento, seguro e segurança de renda conferidos a outras formas de
agricultura urbana e periurbana;
Meta 2 - Incentivar e recompensar
produtores agrícolas em ambiente controlado certificados em Sistema de Produção
Integrada ou que adotem princípios de boas práticas agrícolas;
Meta 3 - Ampliar a disponibilidade e
incentivar a produção de materiais, equipamentos e insumos apropriados à
produção agrícola sem solo;
Meta 4 - Regulamentar e orientar o
reuso de água e efluentes para o preparo de soluções nutritivas, bem como
incentivar a implantação de sistemas hidropônicos fechados;
Meta 5 - Regulamentar a disposição
adequada de resíduos sólidos e líquidos da produção agrícola em ambiente
controlado;
Meta 6 - Elaborar, ajustar e publicar
regulamentação técnica e orientações garantindo a qualidade sanitária de
alimentos produzidos em ambientes controlados;
Meta 7 - Aprimorar a infraestrutura de
fornecimento de energia elétrica para empreendimentos agrícolas em ambiente
controlado;
Meta 8 - Aprimorar a
infraestrutura de conexão de internet de banda estreita (LPWAN) em áreas
urbanas com aptidão para empreendimentos agrícolas em ambiente controlado;
Meta 9 - Promover o uso de fontes
renováveis de energia nos estabelecimentos de agricultura em ambiente
controlado, particularmente naqueles que utilizarem unicamente iluminação
artificial;
Meta 10 - Incentivar o associativismo
entre produtores agrícolas em ambiente controlado;
Meta 11 - Regulamentar a adoção de
medidas de mitigação de riscos associados ao trabalho em ambiente agrícola
fechado.
Eixo III - Conhecimento
Objetivo estratégico - Fomentar a geração, difusão e
adoção de conhecimento sobre a produção agrícola em ambientes protegidos e
controlados e a formação de profissionais de Ciências Agrárias preparados para
gerir e orientar empreendimentos com este tipo de produção.
Meta 1 - Fomentar a pesquisa
científica e o desenvolvimento de materiais, equipamentos e técnicas adequados
à construção, manutenção e funcionamento de edificações dedicada à produção
agrícola em ambiente controlado;
Meta 2 - Promover a capacitação em
projeto, planejamento e construção de edificações dedicadas à produção agrícola
em ambiente controlado a profissionais das áreas de Arquitetura e Engenharia;
Meta 3 - Promover a capacitação em
instalação, condução e manejo da produção agrícola em ambientes protegidos e
controlados de profissionais de Ciências Agrárias;
Meta 4 - Promover a capacitação
profissional em automação e controle voltados à produção agrícola em ambiente
controlado;
Meta 5 - Promover a capacitação de
profissionais da área de Ciências Ambientais em reuso de resíduos para a
produção agrícola em ambiente controlado;
Meta 6 - Promover o treinamento de
profissionais de Assistência Técnica e Extensão Rural em técnicas de manejo da
produção sem solo em condições protegidas e controladas;
Meta 7 - Promover a produção agrícola
em ambiente controlado entre jovens empreendedores;
Eixo IV - Comercialização e consumo
Objetivo estratégico - Implementar a cadeia logística
para a produção agrícola oriunda de ambientes protegidos e controlados.
Meta 1 - Mapear áreas com maior
potencial de consumo de produtos agrícolas oriundos de ambientes controlados;
Meta 2 - Identificar o perfil do
potencial consumidor de produtos agrícolas oriundos de ambientes controlados;
Meta 3 - Levantar o potencial de
exportação de produtos agrícolas advindos de ambientes controlados;
Meta 4 - Implantar sistema eficiente
de logística de escoamento e comercialização da produção agrícola de ambientes
controlados;
Meta 5 - Promover o consumo de
alimentos produzidos em sistemas de cultivo em ambiente controlado;
Meta 6 - Fomentar a certificação de
produção agrícola em ambiente controlado.
Com a colaboração dos colegas Juscimar da Silva, Carlos Eduardo Pacheco Lima, Jorge Anderson Guimarães e Marcos Brandão Braga.
Com a colaboração dos colegas Juscimar da Silva, Carlos Eduardo Pacheco Lima, Jorge Anderson Guimarães e Marcos Brandão Braga.