Em 2012 uma colega pesquisadora procurou o laboratório
onde trabalho em busca de explicação e solução para um problema recorrente em
uma linhagem de tomate sendo usada em cruzamentos em um programa de
melhoramento. Apesar de ser promissora em outros aspectos, a linhagem
apresentava uma alta susceptibilidade a uma desordem fisiológica conhecida como
podridão apical dos frutos ou fundo-preto. É conhecimento comum de que a
principal causa desta desordem seria a deficiência no nutriente cálcio,
envolvido principalmente na formação das paredes celulares dos vegetais
superiores. Depois de analisar a solução nutritiva utilizada pela equipe da
pesquisadora na fertirrigação do tomateiro, chegamos à conclusão de que a
concentração de cálcio utilizada estava adequada, a priori ficando descartada a
hipótese de falta ou insuficiência daquele nutriente.
Pesquisando o que havia sido publicado sobre as
possíveis causas da podridão apical notei que, apesar do que se tinha como
unanimidade no meio produtivo, a pesquisa científica sobre o tema estava longe
de ter certeza do papel exclusivo do cálcio como causa da podridão apical em
tomate e outras solanáceas. Alguns trabalhos apontavam um possível papel também
da forma de nitrogênio utilizada. O nitrogênio é o único nutriente essencial
que pode ser absorvido tanto como cátion, na forma de amônio (NH4+), quanto como
ânion, sob a forma de nitrato (NO3-). Muitos dos elementos químicos essenciais para as
plantas são absorvidos na forma de íons, ou seja, na forma de elementos
químicos com carga elétrica. Aqueles com carga elétrica negativa são chamados
ânions, os que possuem carga positiva são os cátions. O nitrogênio é o único
nutriente absorvido pelas plantas tanto como um cátion quanto como um ânion.
No interior das células, que é para onde vão os
nutrientes, deve ser mantido um equilíbrio eletroquímico, ou seja, um
equilíbrio entre a concentração de ânions e cátions. Existem interações,
sinérgicas e antagônicas, entre alguns nutrientes. Nas interações sinérgicas, a
absorção de determinado elemento pode favorecer a absorção de outro, como tem
sido observado entre K+ (íon potássio) e Cl– (íon cloro) em algumas espécies. Por outro lado, nas interações
antagônicas, a absorção de determinada forma de um nutriente pode dificultar ou
mesmo impedir a absorção de algum outro nutriente. Muito conhecida entre os
técnicos que lidam com tomate é a interação antagônica que existe entre a forma
amoniacal do nitrogênio (NH4+) e o cálcio (Ca2+). Como se pode
observar, ambas as formas são catiônicas.
Como o cálcio é absorvido pelas plantas na
forma do cátion Ca2+, pode haver uma relação de antagonismo entre a
absorção do cálcio e do nitrogênio na forma de amônio, que também é um cátion.
Uma relação de antagonismo entre dois nutrientes significa que a absorção ou
mesmo a presença excessiva de um nutriente atrapalha a absorção ou o uso pela
planta de outro nutriente. Tendo em vista que não havia indícios de deficiência
de cálcio causando o problema de podridão apical na linhagem de tomate em
questão, partimos da hipótese que a forma de nitrogênio usada na fertirrigação
afetaria a incidência de podridão apical dos frutos do tomateiro, pelas razões
delineadas acima ou por outras.
No experimento conduzido testamos várias
proporções de nitrato e amônio na solução nutritiva e observamos que a presença
do amônio em determinadas proporções realmente aumentou a incidência de
fundo-preto nos frutos da variedade de tomate avaliada e mesmo diminuiu o peso
dos frutos que não apresentaram a desordem, impactando negativamente a produção
e deixando claro que as variedades de tomate susceptíveis ao fundo-preto ou
podridão apical devem ser adubadas ou fertirrigadas com fertilizantes que contenham
a forma nítrica do nitrogênio, como nitrato de cálcio e nitrato de potássio. Os
resultados desta pesquisa foram relatados na publicação "Componentes de
produção e incidência de podridão apical em frutos de tomateiro cultivado em
fibra de coco e fertirrigado com diferentes proporções de amônio (N-NH4+) e nitrato
(N-NO3-)", a qual pode ser acessada e baixada gratuitamente no link https://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/item/186832/1/BPD-161.pdf.
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