Crescemos
acostumados a ouvir que a vocação agrícola do Brasil se deve majoritariamente à
abundância de terra e ao clima tropical propício a uma agricultura altamente
produtiva. Apesar da pressão da expansão urbana e das mudanças climáticas, há
muita verdade naquela afirmação. O fato de o Brasil ser hoje considerado uma
superpotência agrícola produtora de grão se deve sem dúvida à grande quantidade
de terras agricultáveis (e mecanizáveis) e à diversidade climática do país,
associados ao desenvolvimento e à adoção de tecnologias e práticas agrícolas
avançadas. Estranha, à primeira vista, que apesar de tudo isso cresça cada vez
mais a área de agricultura sob ambiente protegido no Brasil, hoje estimada em
mais de 30 mil hectares, principalmente ao redor de grandes centros urbanos.
O cultivo
de hortaliças, plantas ornamentais e algumas frutíferas sob ambiente protegido
(estufas, túneis altos e túneis baixos) vem em resposta a determinadas
especificidades que as fazem muito diferentes das espécies produtoras de grãos
que são hoje cultivadas em grandes extensões de terra Brasil afora. Para se ter
uma ideia, a área sob cultivo de hortaliças no Brasil, anualmente, tem girado
em torno dos 900 mil hectares. Em comparação, apenas a área cultivada com soja
na safra 2016/2017 foi de quase 34 milhões de hectares, quase 35 vezes maior do
que a área cultivada com hortaliças. Por outro lado, enquanto a produtividade
da soja está em 3,3 toneladas por hectare, a produtividade de tomate para
consumo in natura já se aproxima de 100 toneladas por hectare.
Uma
outra diferença fundamental entre a produção de hortaliças e a produção de
grãos é que o consumidor tradicionalmente compra hortaliças "com os
olhos", baseado na aparência. Pouco importa se o produtor consiga 100 ou
200 toneladas de tomate em um hectare. Estas 100 ou 200 toneladas deve ter a
aparência, o tamanho, a cor exigidos pelo consumidor. A hortaliça visualmente
perfeita exigida pelo mercado é difícil de ser produzida. A aparência pode ser
prejudicada por pragas, pela insolação excessiva, por doenças, pelo excesso de
chuva. O aumento da frequência de fenômenos climáticos severos tem tido um
papel considerável no aumento de dificuldade de obtenção da hortaliça perfeita.
Entra em cena o cultivo protegido.
A
adoção das práticas de cultivo protegido é um passo à frente na tendência de
controlar as variáveis ambientais e se proteger do acaso visando a otimização e
maximização da produção agrícola. Além das questões climáticas e comerciais, o
plantio de hortaliças em ambientes protegidos pode evitar ataques de pragas e
patógenos, reduzindo a aplicação de produtos químicos biocidas, embora no
cultivo em solo a incidência de doenças possa ainda ser um problema se práticas
culturais tais como a rotação de culturas não forem convenientemente adotadas.
A
agricultura protegida surgiu no Norte da Europa para que as famílias ricas
pudessem ter frutas e hortaliças frescas nos períodos frígidos de inverno. A
expansão do cultivo em ambiente protegido para as regiões tropicais foi
possível pelo surgimento do plástico, principalmente do polietileno de baixa
densidade, sintetizado pela primeira vez na década de 40 do século XX. Como
surgiu no frio norte da Europa, o material utilizado nas primeiras estufas era
o vidro, menos permeável à radiação infravermelha responsável pela criação do
efeito estufa que permitia o cultivo de hortaliças e frutas durante os meses
mais frios, o que era impraticável em campo aberto. O efeito estufa causado
pelo plástico é menos intenso, além do material ser mais versátil e barato. Nas
regiões tropicais, como o Brasil, o cultivo protegido foi adotado visando
principalmente proteger as culturas do excesso de chuva, das pragas e doenças.
É um sistema de cultivo cuja implantação é relativamente cara, de forma que os
cultivos adotados devem ser mais produtivos e rentáveis, como as hortaliças.
Embora
o plástico retenha menos calor que o vidro, o grande desafio da agricultura
protegida nos trópicos é o controle de temperaturas muito altas que afetem a
produção e a qualidade dos produtos. Diversas técnicas têm sido testadas ao
longo dos anos: plásticos de diferentes composições e características físicas,
telas aluminizadas, maiores alturas de pé-direito, nebulização, cortinas
laterais retráteis, nebulização. A utilização mais intensa de tecnologias mais
eficientes esbarra na perspectiva de aumento no custo de produção. O consumo
médio de hortaliças pelo brasileiro ainda é muito baixo e o temor é que
hortaliças mais caras em razão de maiores custos de produção diminuam ainda
mais o consumo.
Além
da proteção contra chuva, ventos e insolação, o cultivo sob ambiente protegido
pode oferecer também uma proteção física contra a incidência de insetos e
outros artrópodes-praga e contra microrganismos causadores de doenças de
plantas. Hoje em dia tem sido comum perdas de produção em razão de viroses
transmitidas por insetos sugadores como mosca-branca, pulgões e tripes. O uso
de telas especiais que impedem a entrada destes insetos na lavoura protegida
pode reduzir consideravelmente o uso de agrotóxicos, proporcionando hortaliças
mais seguras para o consumo. Tem aumentado também a utilização de práticas
alternativas de controle de pragas e doenças, como o uso de armadilhas, o
controle biológico e o manejo integrado.
Por outro
lado, o manejo inadequado da agricultura protegida pode trazer problemas graves
com potencial de inviabilizar a produção. O uso inadequado de implementos
agrícolas, a compra de mudas sem procedência garantida, por exemplo, tem
aumentado a incidência de nematoides em solos de cultivo protegido, problema
para o qual há poucos tratamentos além do uso de variedades resistentes.
Problema semelhante tem ocorrido pelo uso contínuo de uma mesma espécie, muitas
vezes de uma mesma variedade, sem nenhum tipo de rotação de culturas, com
acúmulo principalmente de doenças de solo e acúmulo de nutrientes.
A
utilização de técnicas de irrigação localizada, como o gotejamento ou a
microaspersão, associadas com a aplicação de adubos de alta solubilidade
através da própria irrigação, técnica chamada de fertirrigação, tem permitido
altas produtividades com um uso muito mais eficiente de insumos, principalmente
água e nutrientes. Por serem insumos caros, é indispensável que o produtor
conheça as características físicas e químicas dos solos, bem como as
necessidades hídricas e nutricionais das espécies cultivadas, para evitar a
ocorrência de problemas de difícil resolução como a salinização e o adensamento
dos solos.
O acúmulo
de problemas de solo em razão de práticas inadequadas de manejo tem levado
muitos produtores a optarem por técnicas de cultivo sem solo, como a
hidroponia e a semi-hidroponia (cultivo em substratos como perlita, fibra de
coco, areia, entre outros). Neste tipo de cultivo, as plantas são ao mesmo
tempo hidratadas e nutridas por meio de soluções nutritivas contendo todos os
nutrientes essenciais em concentrações suficientes para o desenvolvimento
normal. Estas soluções devem ter sua acidez e sua condutividade elétrica
periodicamente monitoradas para garantir que os nutrientes estejam nas
concentrações e formas adequadas para que as plantas os possam absorver. Esses
sistemas exigem que o produtor se prepare, indo além da mera execução de práticas
agrícolas convencionais.
Entre as
principais vantagens do cultivo hidropônico, destacam-se: ciclos de produção
mais curtos; possibilidade de uso do espaço vertical na casa de vegetação;
maior produtividade; menor necessidade de mão de obra; menores riscos de
salinização do meio de cultivo; menores riscos de poluição do lençol freático;
menor incidência de doenças e pragas. Algumas dessas vantagens advém da adoção
do cultivo protegido em si, outras do uso da hidroponia.
O cultivo
protegido não é milagroso: o investimento inicial é alto; há necessidade de
conhecimento técnico multidisciplinar. Se não for feito profissionalmente, os
problemas aparecem rapidamente (em torno de 3 anos) e sua resolução pode ser
difícil e cara. Os segredos para o cultivo protegido são planejamento e manejo.
O resultado é a intensificação sustentável da produção e rentabilidade para o
produtor.
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